quarta-feira, 24 de abril de 2013

A Confissão da Leoa

De primeira impressão, os mais velhos que pegarem A Confissão da Leoa irão achar bem parecido com A Sombra e a Escuridão, filme estralado por Val Kilmer e Michael Douglas. Não é culpa do autor, Mia Couto, nem dos roteiristas, mas talvez seja culpa da trama. Com vários toques diferentes um do outro, o livro destaca-se por ser muito mais pesado e profundo das relações das vítimas com os caçadores. Aliás, esse é o ponto máximo, pois em toda forma, ninguém sabe ao certo se são leões ou homens que além de vítimas, são os caçadores. Mia Couto, famoso por escrever suas histórias na África, ricas de descrições de belas paisagens, estradas de terra e pessoas sofredoras. O sofrimento da África, segundo Couto, são os costumes dos pais ensinados aos filhos. Não é só de péssimos costumes e desvalorização dos filhos que se vive a África, ainda existe os medos, os aproveitadores e os que apenas vão para o continente para sugar o que existe de melhor por lá.

Couto não sente pena de quem ler A Confissão da Leoa. Ele quer incomodar, e consegue. Como uma sociedade milenar no continente mais antigo do planeta consegue viver mendigando soluções até hoje? Algumas frases no início dos capítulos do livro podem responder essas perguntas, mas todas são interpretativas, então depende do leitor compreender os fatos como são, ou como o autor desejou serem. "Onde os homens podem ser deuses, os animais podem ser homens" é justamente o toque da trama. Se de toda forma o homem pode usar seu poder de persuadir outras pessoas em tarefas que não serão feitas sem ordens, o que curta alguém morrer por isso? Morrer, por sinal, é para muitos uma ótimas, ou melhor, escolha de alguém quando se mora na África. Assim o autor deixa claro, que se for para ser homens e transformarem outros homens em deuses, um leão faminto é mais do que bem vindo. "Tem cuidado com os leões. Mas tem mais cuidado ainda com a cobra que vive no covil dos leões" é, de fato, o resumo do continente africano pelo autor.

Muito bem representado por Arcanjo Baleiro, o caçador arrependido de suas caças é a figura de redenção aos atos dos homens animais que ele reconhece e conhece todos os dias de sua vida. A má vontade da caça o deixa cada vez mais amargurado por estar vivo e mais apaixonado por sua cunhada, esposa de seu irmão, já quase morto. O próprio Arcanjo reconhece que nem seu próprio dedo obedece a ordem de seu cérebro para apertar o gatilho e finalizar sua tarefa. O incômodo é não ser feliz com que se faz, e sim o que quer deixar de fazer. Mariamar, uma jovem moça nascida na aldeia onde a história se passa, é talvez, a melhor representação da vontade em ser animal. Para ela, indiretamente, talvez fosse muito mais fácil ser uma leoa que ataca na surdina. Assim, por mais que a vida fosse difícil, os instintos de sua espécie não lhe daria tanta dores. Ser filha de uma aldeia vítimas de homens leões, é de fato, o sofrimento de sua vida.

Mia Couto acertou em cheio na narrativa de seu livro. Escrito com a narrativa de primeira pessoa alternando entra os pontos de vista de Arcanjo Baleiro e Mariamar, o livro forma um grande quebra-cabeça de corações apertados e vontades de abandonar tudo e todos. O leitor, por sua vez, consegue acompanhar tudo com calma, mesmo que torcendo por um leão invisível aos olhos de quem quer ver. O acerto do autor não resume-se em ser africano e saber dos problemas de seus continente, e sim saber escrever sobre os problemas de seu continente, sem ao menos induzir uma solução. Soluções para quê? No fundo, todos somos tão sofredores e caçadores quanto os que moram lá.

Autor: Mia Couto
Gênero: Literatura Estrangeira/Romance
Editora: Companhia das Letras
Nota: 5.0

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